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A
meu cunhado Macrino
-"Ela
é de gelo"- a multidão dizia,
Vendo
o seu modo calmo e retraído:
-"Não
lhe notais, no riso indefinido,
Alguma
coisa horrivelmente fria?"
"Até
o próprio sol, se ousasse um dia
Beijar-lhe
o branco talhe do vestido,
Em
montanha de neve convertido,
O
azul do espaço, em breve, deixaria."
Uma
noite, porém, vi-a chorosa,
Osculando fanada, murcha rosa
Que
apertava de encontro ao coração.
Adivinhei
que o gelo era aparente,
Que,
sob a neve, palpitava ardente
A
lava incandescente de um vulcão.
Santa
Luzia, 20 de Novembro de 1899.
(Lírios da Juventude. p.20. 1909)
A meu irmão Leopoldino
E’
meio dia; a brisa sopra mansa
Nas
folhas da emburana perfumada;
Sustento
a carabina tauxiada
Na
mão fidalga, o caçador descansa.
Agachado
a seus pés um cão de raça,
Pendente
a língua, o olhar fosforescente,
Agita
a cauda e espera, impaciente,
O
instante de lançar-se sobre a caça.
O
sol, grande pintor, pintor divino,
Empunhando
a palheta de ouro fino,
A
floresta, de luz, vai retocando.
E,
ao longe, dois pombinhos, cor de neve,
O
seu ninho de amor, pequeno e leve,
Armam,
trocando beijos e arrulhando.
Santa
Luzia, 31 de Agosto de 1900.
(Lírios
da Juventude. p.53. 1909)
A
meu querido tio
Tito
Magalhães da Silva Porto
A
noite cai, nostálgica, sombria,
Triste
como um adeus — por sobre a terra.
Que
funda mágoa, que mistério encerra
Seu
pranto feito da geada fria?
Noiva
do sonho, a demandar um beijo
Erra,
por entre as nuvens, sonolenta;
Segue-lhe
os passos, nessa marcha lenta,
Das
estrelas o pálido cortejo.
Aos
dúbios raios do luar, parece
Uma
viúva envolta em crepes, quando,
Pelo
Ausente adorado, ergue uma prece.
E
eu penso que é minh’alma disfarçada
Em
noite que, no espaço, anda vagando,
Num
manto de agonias rebuçadas.
(Santa Luzia, Junho de 1901).
(Lírios
da Juventude. p. 54. 1909)
(A
propósito do cromo nele estampado)
A
D.ª Laura Sampaio
Linda mulher esbelta e majestosa,
Rainha da elegância e faceirice,
Lábios de flor que toda não se abrisse,
Busto vazado em pétalas de rosa,
Profundaste, da moda caprichos,
Os requintes sutis da esquisitice,
E não ha quem te exceda em garridice,
Alegre, desenvolta e graciosa.
Soberana gentil dos olhos vivos,
A teus encantos dobram-se cativos
Os corações que feres, como um raio;
São eles o teu brinco predileto
E, agora mesmo, demoninho inquieto,
De um coração fizeste um papagaio.
(Lírios
da Juventude. p. 59. 1909)
A
minha querida tia Yayá
Modelo abençoado da ternura,
Oh! pura, oh! casta, oh! lirial Maria,
Teu nome vale mais que a luz do dia;
— Ele, só, traz alívio e traz ventura.
Por nosso amor, transida de amargura,
Viste morrer Jesus… Quanta agonia!
Teu coração sangrava e, todavia,
Perdoaste, sublime criatura.
A tua vida foi um longo exemplo,
Teu coração é, inda agora, o templo
Da piedade, da paz, do eterno amor.
Salve três vezes, Flor dos Evangelhos!
Mínha’alma te venera de joelhos
Oh! Mãe, Esposa e Filha do Senhor.
(Santa Luzia, Outubro de 1902.)
(Lírios
da Juventude. p. 92. 1909)
Quando
os teus olhos fito e leio neles quanto
Sou
amada por ti, meu doce e nobre amigo,
Minh´alma,
do prazer, veste o purpúreo manto
Como
te adoro então e como te bendigo!
E
me deixo embalar no mar sereno e quieto
Dos
castos ideais, dos pensamentos sãos,
Pois
é tão puro e bom, tão calmo o nosso afeto
Que
eu penso ver em ti algum de meus irmãos.
Ponho
os olhos nos teus e vejo aí tu´alma,
Alma
impoluta e boa, alma sincera e calma,
A
sonhar, a sonhar, sempre a sonhar comigo...
De
joelhos, então, ao Redentor do mundo
Esta
dita agradeço, em êxtase profundo,
Amo-te
muito, muito, oh! meu sincero amigo.
(Lírios
da Juventude. p. 199. 1909)
Amar é ter o peito, fibra a fibra,
Despedaçado por um mal secreto;
É ter; ungida de entranhado afeto,
U’a alma ardente que sonora vibra.
É cantar, quando o peito aflito geme;
É chorar; quando tudo ri em torno;
Ter a mente abrasada como um forno,
E, em lábios frios, uma voz que treme.
É sempre ver e ouvir, do objeto amado,
O olhar, a voz, o suspirar, o gesto.
No ar, no espaço, na flor, contente ou mesto,
Em tudo, vê-lo, em tudo, retratado.
É
ter, por um momento de alegria,
Longas
horas de acerbo sofrimento.
É
sempre obcecado, noite e dia,
Por
uma idéia só, o pensamento.
É
sentir gozo no pungir das dores;
É
sorrir, afrontando uma desgraça;
É
suportar, julgando ser de flores,
Ferro
grilhão que os pulsos despedaça.
Amar
é todo o bem que, em si, resume
A
terra – quente e perfumada ninho - ;
Gozo
do céu - nos mimos de um carinho,
-E
horrível purgatório- no ciúme.
É
louros desejar, querer grandezas,
Para
dá-las ao ente preferido;
É
tudo oferecer - gloriosas,
riquezas, -
Para
poupar-lhe a magua de um gemido.
Amar!
quem há de , por aí, quem há de
Bem
definir esta palavra angustia?
É
chama ardente que, atraindo, assusta;
-
É o inferno cruel desta saudade.
(Lírios
da Juventude. p. 220-221. 1909)
Não
sei porque brigamos duma feita,
E
nem sei de quem foi a culpa imensa.
—
Tua; pareço ler esta sentença
Escrita
n’alma de minh’alma eleita.
—
Foi tua, não direi, que não se ajeita
Meu
lábio a censurar. — Dá-me licença:
Criançadas
de gente que não pensa,
Eis
a razão; concorda que é perfeita.
Tanto
tempo de zanga! Tanto! Agora
Tudo
passou. Abençoada hora!
Tú
crês em mim, eu creio no que dizes.
Um
só devia tremulo, frisado,
Reatou
nosso laço desatado,
Nos
fez, de novo, amantes e felizes.
(Lírios
da Juventude. p. 219. 1909)
Pergunto
à lua e às pálidas estrelas:
Estará,
por acaso, em mim pensando
Esse,
de olhar suave e riso brando,
Que
me inspira umas linhas tão singelas?
Por
noites de luar assim tão belas,
Irá
o nosso afeto relembrando?
"Não
sei"; responde a lua deslizando.
"Não
sei"; fugindo, gritam-me as estrelas.
Interrogo
a razão: Pensa ou não pensa?
E,
trêmula, esperando-lhe a sentença,
Faço,
por serenar, quanto em mim cabe.
"Não
sei" Soluço. O coração, no entanto,
"Filha,
me diz, porque te afliges tanto?"
E
a voz lhe escuto a segredar: "Quem sabe?"
(Lírios
da Juventude. p. 218. 1909)
Diante
um dos teus retratos tirado aos dezoito anos
Longas
horas de paz deliciosa
Eu
passo, o teu retrato contemplando.
Linha,
por linha, o amado rosto brando
se
destaca na tela preciosa.
Ligeiros
traços infantis diviso
Nas
másculas feições do adolescente;
Certo
quê de criança e de inocente;
A
vida em flor aberta num sorriso.
Ante
os outros, jamais em minha vida,
Senti
esta emoção indefinida
Nem
mais terna minh’alma estremeceu.
Vendo-o,
revejo todo o meu passado
E
afago um lindo sonho abençoado:
Este
retrato, um dia, há de ser meu.
(Lírios
da Juventude. p. 224. 1909)
Fizeste mal em duvidar. Acaso
Desconhecias meu afeto ardente?
Não sabes, dize, que, por ti somente,
Do amor nas chamas divinais me abraso?
Minha ternura não conhece ocaso;
A tua imagem guarda reverente.
Assim, um belo, um precioso vaso,
Guarda os caros perfumes do Oriente.
Como é pequena a tua confiança!
E eu que sempre a julguei serena e forte
Qual a que tenho em ti! Pois bem; descansa!
— Enquanto eu viva, meu amor não finda;
Acabará, quando vier a morte,
Se,
após a morte, não se amar ainda.
(Lírios
da Juventude. p. 227. 1909)
Oh!
Mãe de deus e nossa Mãe querida
Escuta
nossa voz
Nas
angústias tremendas desta vida
Tem
compaixão de nós.
Para
o abismo da insânia e da maldade
Com
o mundo veloz
Impede-lhe
a carreira por piedade
Tem
compaixão de nós.
Que
aos pés de Deus por este mundo vário
Pelos
tormentos todos do calvário
Tem
compaixão de nós.7
(Manuscrito,
em folha solta, datado de 27-5-1963.)